A CONSTRUÇÃO DO PSIQUISMO – parte 1/3

A CONSTRUÇÃO DO PSIQUISMO – parte 1/3

A IMPORTÂNCIA DOS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA PARA A CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE

Gilson Tavares – Psicanalista e educador
gilsontavares_psi@yahoo.com.br)

INTRODUÇÃO

A personalidade é uma construção pessoal que decorre ao longo da nossa vida e é um processo dinâmico em que intervêm diferentes fatores.Personalidade é a organização dinâmica dos traços no interior do eu, formados a partir dos genes particulares que herdamos, das existências singulares que suportamos e das percepções individuais que temos do mundo, capazes de nos tornar únicos em nossa maneira de ser e de desempenhar nosso papel social.
O vínculo entre mãe e filho é a fonte de onde irão provir, depois, todos os futuros vínculos que se estabelecerão pela criança e que constituirão a relação a ser formada durante o curso de vida da criança. Para toda a vida, a força e a qualidade deste laço influirá sobre a qualidade de todos os futuros vínculos que serão estabelecidos com as outras pessoas de seu convívio.

Capítulo 1 UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA

O homem tem cada vez mais conhecimento e controle sobre o mundo ao seu redor, mas se afasta cada vez mais de seu mundo interior. Ao mesmo tempo em que tem o desejo de ser o ápice e a finalidade da criação de todas as coisas, o que lhe daria o direito a ser o senhor de tudo, descobre que é mais infantil do que consegue suportar. O homem, imagem e semelhança de seu criador, recebe um primeiro golpe em seu inflamado ego, quando copérnico diz que o planeta em que vivemos além de não ser o centro do universo, é apenas um minúsculo ponto desse universo, igual a milhões de outros pontos. Não bastando essa destituição de senhores do universo, Charles Darwin destitui também o homem de seu reinado sobre os outros animais da terra, quando demonstra em sua teoria da evolução das espécies, que o nosso parentesco com os primatas é mais próximo do que o nosso arde superioridade gostaria que fosse. Restou ao homem, como último refúgio de seu ego ferido, voltar-se a si mesmo, como o único animal racional sobre a face da terra, o único que pauta sua vida sobre bases lógicas, e que implementa modificações em seu meio, buscando o aprimoramento de sua espécie.Para nossa angústia, e destruição final de nossa idéia de sermos a espécie escolhida para a perfeição, Freud descobre em seus estudos que não somos senhores nem de nós mesmos, que somos regidos pelos nossos sentimentos e pensamentos mais primitivos, e que não temos nenhum controle sobre esses sentimentos e pensamentos, restando-nos apenas o consolo de aprendermos a conviver com os mesmos.
Consideramo-nos seres evoluídos, capazes de vivermos em sociedade, construtores de civilizações, mas precisamos de normas externas a nós mesmos para que seja possível a convivência com nosso semelhante. Ensinamos nossos filhos a conhecer e a dominar as forças da natureza, mas não os ensinamos a conhecer e dominar a si mesmos.

1.1 Evolução biológica dos comportamentos humanos

O modo de vida caçador-coletor predominou por mais de 99 por cento da evolução humana, por este motivo, pode ser considerado o berço evolutivo do Homo Sapiens, ou seja, o contexto no qual o homem moderno foi selecionado e para o qual exibe adaptações naturais. Há 10 milhões de anos , período quaternário da era cenozóica , iniciou-se uma era de mudanças ambientais, associada a um processo de evolução por seleção natural, que culminou nas adaptações hominídeas conhecidas pelo termo hominização. Por hominização entende-se o processo através do qual os nossos antepassados pré-hominídeos, que nos são comuns com os antropóides, adquiriram características anatômicas e fisiológicas próprias dos hominídeos, até chegar ao Homo sapiens. Alterações ambientais e hominização interagiram, originando as formas mais complexas de comportamento.
O sucesso evolutivo de um indivíduo não depende somente de suas habilidades de sobrevivência ou reprodução, mas também da produção de descendentes que cheguem à vida adulta e se reproduzam. No caso do gênero Homo, como geralmente nascia apenas um filhote por prole, o investimento parental se tornava fundamental para o sucesso da espécie. E como então surgiu o investimento paterno nos cuidados da prole? Um dos fatores que pode estar relacionado é a perda dos indicadores de cio na fêmea. Assim, para que um macho tivesse garantias de paternidade, e então fosse vantajoso cuidar do filhote como um meio de perpetuar seus genes, era necessário que estivesse sempre perto da fêmea para garantir que nenhum outro copulasse com ela, e ele não cuidasse do filhote de outro. Mas isto não aconteceu de uma forma tão simples. Era necessário que o macho não soubesse quando do período fértil da fêmea e assim se mantivesse sempre perto dela. Desta forma, por seleção natural, a fêmea foi perdendo as características que indicavam seu período fértil, como o inchaço nos lábios vaginais e o cheiro característico pela liberação de hormônios que atraía o macho para a cópula. Com isto, a fêmea estava sempre pronta para a atividade sexual, garantindo a presença do macho e sua ajuda no cuidado dos filhotes. Além disso, como em diversas espécies monogâmicas, uma receptividade sexual permanente por parte da fêmea , e não somente durante o período fértil, favorece a permanência do macho, já que este tem menos informações sobre períodos reprodutivos. Mesmo assim, dentre os mamíferos, a espécie humana é uma das poucas espécies em que o macho apresenta investimento parental direto na prole.
Em comparação às outras espécies de animais, o ser humano é o que nasce menos maduro e o que demora mais para se desenvolver. Devido a isso, o comportamento de apego também leva mais tempo para aparecer do que nos outros animais. De forma geral, bebês de três meses de idade já respondem à mãe de maneira diferente e o comportamento de apego é desenvolvido por toda infância. O comportamento de apego na vida adulta é uma continuação do comportamento desenvolvido na infância. Vários estudos demonstram que os principais vínculos estabelecidos na primeira infância vão se estender por toda vida do indivíduo. A qualidade do cuidado vindo da mãe ou do principal cuidador, pode proporcionar condições mais favoráveis nos aspectos físico e afetivo-social da criança. A estimulação das relações interpessoais na infância é de suma importância, pois, ao se relacionar com adultos, com pares ou com animais, a criança adquire habilidades sociais de convívio como afeto, respeito e cuidado. O desenvolvimento do apego seguro é um indicativo para bom prognóstico de desenvolvimento infantil.
O amor parental é influenciado por vários indicadores provenientes dos pais, dos filhos e da situação, como o grau de certeza do parentesco genético pai-filho, certos atributos fenotípicos da criança, indicadores situacionais da aptidão da criança, das alternativas reprodutivas da mãe e oportunidades de investimento do pai e da mãe. Nota-se, portanto, que há vários determinantes biológicos e culturais para o investimento parental. Os estudos sobre o desenvolvimento de apego entre as sociedades coletoras são bastante sugestivos da rede afetiva humana básica e do valor adaptativo do apego.
Nossa mente se desenvolveu para resolver problemas dos nossos antepassados caçadores e coletores do pleistoceno. Foi o modo de vida deles que forjou grande parte das estruturas mentais que dispomos hoje, porque aquilo que conhecemos como história, em termos biológicos, representa umas poucas gerações, o que não é suficiente para gerar e consolidar as adaptações necessárias à vida social. As características funcionais complexas da mente humana se desenvolveram como respostas às demandas do estilo de vida de caçadores e coletores, mais do que nos dias de hoje.

1.2 O surgimento do vínculo afetivo

Até agora, explicitaram-se apenas os aspectos evolutivos e parentais da relação pais-filhotes. No entanto, o bebê, de maneira alguma, é um ser passivo. É importante salientar que, enquanto um comportamento modifica o ambiente, este ambiente modifica o comportamento. Assim, quando a mãe age sobre o bebê, modifica-o, e, conseqüentemente, o bebê agirá sobre a mãe, também modificando-a, e será nessas constantes relações que se dará o envolvimento afetivo.
Segundo Schaffer, doutora em psicologia da educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, citada por Cecília Casali Oliveira, no artigo "O apego infantil", o comportamento de apego tem uma função biológica específica de sobrevivência individual e da espécie. O comportamento de apego com a mãe - cuidadora principal - é mais precoce, mais intenso e mais sistemático, mas é uma resposta que se estabelece também com outros adultos familiares, que se constituem figuras secundárias de apego. Entre 6 e 9 meses há o reconhecimento do pai e a manifestação do comportamento de apego ligada a ele. Além do pai, crianças mais velhas, mesmo crianças pré-escolares, tornam-se figuras de apego secundárias. Quanto maior o número de figuras de apego da criança, mais intenso seu apego à mãe como figura principal.
Até o terceiro ano de vida da criança esses sistemas comportamentais continuam sendo facilmente ativados; a partir disso são ativados com menos facilidade e passam por outras mudanças durante a infância.
De acordo com Leakey, paleantropólogo britânico, citado por Plínio Marco de Toni, da Universidade Federal do Paraná, no artigo "Etologia humana - o exemplo do apego", em comparação com os demais primatas, "o período de gestação do Homo sapiens, cuja capacidade cerebral média é de 1.350 cm3, deveria ser de 21 meses e não de 9 meses como na verdade o é" (p. 53). Esta diferença de um ano no desenvolvimento torna o recém-nascido humano frágil, comparado com neonatos de outras espécies, mesmo os demais primatas. Salienta também que, em virtude da fragilidade ao nascer, os mamíferos necessitam de cuidados e proteção contra predadores por um período mais longo. No caso da espécie humana, tal fragilidade exige cuidados parentais ainda mais prolongados, e tanto o nascimento do apego quanto o desenvolvimento da instituição familiar têm suas origens neste artifício da natureza. Por uma questão de sobrevivência, maior investimento parental foi exigido e, ao contrário de muitas outras espécies, a presença fundamental do macho reprodutor também.
Como isso não devia ser muito fácil num ambiente hostil como eram as savanas africanas, então, mais uma vez, os processos de seleção natural voltam a agir. Para garantir os cuidados da mãe, e sua conseqüente sobrevivência, os bebês passam a apresentar mais persistentemente, durante o curso de sua infância até mais ou menos o início da vida adulta, formas características do início de seu desenvolvimento. Isto é conhecido por neotenia. Essa foi uma das formas que a natureza encontrou para manter as mães mais próximas de seus filhotes por períodos maiores, garantindo sua sobrevivência por uma atração inata para essas características. Considerando que nos primatas a reprodução se caracteriza por nascimentos de poucos filhotes e grande investimento parental e/ou grupal em cada filhote, o sucesso de nossa espécie só foi possível pela evolução de padrões comportamentais maternos e/ou paternos compatíveis com o aumento da demanda de cuidados da prole.
Dizer que um padrão de comportamento é produto de seleção natural, é o mesmo que dizer que este padrão foi selecionado por ter apresentado conseqüências adaptativas. Admite-se, por exemplo, que tenha ocorrido pressão seletiva sobre os padrões humanos de vinculação afetiva. No meio ambiente em que foi selecionado, o apego típico humano deve ter conferido vantagens de sobrevivência aos indivíduos, de tal modo que acabou sendo moldado geneticamente na espécie. A função do apego tem sido pensada em termos da proteção de predadores, da oferta de cuidados proporcional ao nível de imaturidade e de dependência dos bebês e da garantia de convivência sistemática com adultos representativos de uma determinada cultura, essencial à evolução cultural humana.

Capítulo 2 A FORMAÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO

A conduta humana pôde ser melhor entendida a partir da aplicação das Teorias Etológicas, que traduziram os conceitos evolucionistas biológicos em termos de conduta. Quando John Bowlby, psiquiatra inglês, estudou o vínculo entre mãe e filho, concluiu que essa ligação era parte de um sistema de comportamento que servia à proteção da espécie, já que os bebês humanos são indefesos e incapazes de sobreviver sozinhos por um longo período de tempo. Deste modo, o apego dos bebês às suas mães ou cuidadores, é o que possibilitaria a sobrevivência da espécie. Dentre as muitas contribuições que as pesquisas em etologia trouxeram ao estudo do desenvolvimento humano, uma delas foi a de que em alguns períodos da vida, os indivíduos estão mais sujeitos a serem influenciados por determinados fatos, que em outros.
Muitos estudiosos acreditam que a formação do vínculo de apego começa antes mesmo do nascimento do bebê. Sabe-se que antes da concepção e durante a gestação, existem fatores influenciando a formação do vínculo, como por exemplo:
O desejo inconsciente dos pais com relação ao desenvolvimento dos seus- papéis de pai e de mãe;
A existência do bebê enquanto possibilidade;-
A qualidade da relação do próprio casal.-

2.1 O surgimento do apego

Foi Bowlby o primeiro a tratar do tema apego e vínculo. Para ele, o comportamento de apego mãe-bebê teria surgido para garantir proximidade segura entre adulto e bebê e é provocado pelo bebê desde seus gestos iniciais. É importante deixar claro que a vinculação afetiva não é somente o resultado automático da fisiologia, pois somos seres biologicamente culturais. O apego garante a proteção do bebê, mas é a interação entre mãe e filho que garante a construção do vínculo afetivo. Investigações minuciosas do comportamento de crianças pequenas têm revelado a presença de adaptações naturais para a interação social e para a formação de vinculações afetivas.
O apego está intimamente ligado ao investimento parental, e dele não pode ser dissociado, pois é a partir dos sinais emitidos pelo bebê e da resposta dos pais a ele que se forma o vínculo. Não se pode pensar um sem o outro. Como mostrado no exemplo acima, nota-se que o bebê age sobre o adulto e este responde ao bebê de uma forma que vai aumentando a vinculação afetiva pelas constantes respostas, pois, segundo John Bowlby, psiquiatra e psicanalista inglês , citado por Plínio Marco de Toni, um dos fatores determinantes para o surgimento e manutenção do comportamento de apego é a rapidez com que o adulto responde ao bebê e a intensidade da interação.
O comportamento de apego, além da função de proteção, propicia ao bebê uma série de interações sociais que colaboram para um desenvolvimento saudável da criança, além de lhe proporcionar oportunidades de treinar seus comportamentos sociais e perceber as modificações dele no meio. Assim, é graças a esta proximidade mãe-bebê que este terá oportunidades de ver e explorar o mundo de uma maneira segura, e assim desenvolver seu cérebro, aprender com os outros de sua espécie e sentir-se parte dela e seguro nela a partir do amor de seus pais.
Quanto mais forte o vínculo inicial mãe-bebê, maior a probabilidade de a criança tornar-se independente no futuro, pois é o apego seguro que permite a criança aventurar-se de maneira confiante no mundo. A mãe tem uma importância fundamental neste processo de formação de vínculo, pois a interação não acontece apenas de um dos lados, tanto a mãe quanto a criança se auto-estimulam a partir do contato que estabelecem e há uma receptividade da criança para a mãe. Segundo Bowlby, um vínculo bem formado vai proporcionar à criança segurança e bem-estar, e por isso este laço afetivo tem que ser estável e harmônico, sem ameaças questionadas. O vínculo é de importância vital já para o feto, pois precisa se sentir desejado e amado para propiciar a continuação harmoniosa e saudável de seu desenvolvimento.
A partir da primeira relação, segundo Bowlby , no artigo "Etologia humana - o exemplo do apego" de Plínio Marco de Toni, estabelece-se no indivíduo um modo de funcionamento, Modelo Funcional Interno. A criança que tem em sua experiência um modelo seguro de apego vai desenvolver expectativas positivas em relação ao mundo, acreditando na possibilidade de satisfação de suas necessidades. Já uma outra, com um modelo menos seguro, poderá desenvolver em relação ao mundo expectativas menos positivas.

2.2 O surgimento do vínculo afetivo

Muitos pesquisadores encontram no vínculo uma maneira particular pela qual o indivíduo se relaciona com o outro , criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento. Sendo assim, não existe um tipo único de vínculo, pois todas as relações estabelecidas com o mundo são mistas. Considera-se dois campos psicológicos no vínculo: um externo e outro interno, ou seja,a forma particular que o indivíduo tem de se relacionarconsigo mesmo e com as imagens internalizadas.
O aspecto fundamental da tese de Bowlby é de que existe uma forte relação causal entre as experiências de um indivíduo com seus pais e sua capacidade para estabelecer vínculos afetivos, e que certas variações comuns dessa capacidade, manifestam-se em problemas conjugais e em dificuldades com os filhos, assim como nos sistemas neuróticos e distúrbios de personalidade.
Segundo Bowlby (1990, p.),
[...] todo ser humano já nasce propenso a estabelecer fortes vínculos afetivos. Essa capacidade no entanto, pode ser diminuída devido a fatores externos que impedem ao bebê desempenhar esse potencial com as pessoas que o cercam. A capacidade é inata, mas precisa ser estimulada adequadamente para que se concretize[...].

2.3 A importância da relação familiar para a formação do vínculo

Ontem como hoje, a família não pode deixar de ser a estrutura fundamental que molda o desenvolvimento psíquico da criança, uma vez que é, por excelência, o local de troca emocional e de elaboração dos complexos emocionais, que se refletem no desenvolvimento histórico das sociedades e nos fatores organizativos do desenvolvimento psicossocial. Por isso, torna-se importante o estudo das eventuais variações psicológicas provenientes das modificações decorrentes no agregado familiar, sem desprezar o enquadramento espacial do mesmo: o meio físico, cultural e social.
Segundo as psicólogas Ferrari e Vecina, citadas pela psicóloga Rosana Luíza Destro Keppe, no artigo "A compreensão dos pais sobre a agressividade de seus filhos", o processo familiar e de sociabilização infantil, que tem início nas primeiras fases de seu desenvolvimento e segue ao longo da vida, é realizado e compartilhado por dois ou mais adultos, pois as crianças necessitam confirmar os conceitos que foram transmitidos, auxiliando-as na internalização daquilo que lhe está sendo ensinado. A criança necessita de uma figura afetiva estável, onde esta desempenha o papel de mediador da construção de sua identidade. Seu processo de identificação será conturbado, se neste contexto familiar que a recebe não for continente e protetor. Um bom vínculo entre pais e filhos, uma relação de confiança, espontaneidade e transparência, só são possíveis se cada um dos componentes dessa interação, puder realizar uma aprendizagem emocional satisfatória.

2.4 O vínculo mãe-bebê

A relação mãe – bebê se inicia com uma forte necessidade de contato entre ambas as partes. Progressivamente, tanto o bebê quanto a mãe vão ampliando suas relações, o pai por exemplo entra em jogo e essa díade inicial vai sendo rompida. Com a maturação, o bebê começará a ter condições de substituir a mãe concreta pela capacidade de recriá-la em suas fantasias e brincadeiras , desde que, tenha sido possível internalizá-la, ou seja, guardar dentro de seu universo mental uma imagem da mãe que possa ser relembrada, quando esta não estiver concretamente presente.
O sentimento do bebê em relação a seus pais é um apego, na medida em que ele sente nos pais a base segura para explorar e conhecer o mundo à sua volta. O sentimento dos pais em relação ao filho é mais corretamente descrito por vínculo afetivo, já que os pais não experimentam um aumento em seu senso de segurança na presença do filho, e tampouco o filho tem para os pais a característica de base segura.
Segundo Winnicott, também citado porRosana Luíza Destro Keppe, no artigo "A compreensão dos pais sobre a agressividade de seus filhos", a infância é um processo gradual de formação de crenças em pessoas e coisas, e esse período é elaborado aos poucos, através de experiências satisfatórias onde algumas necessidades são atendidas e justificadas, e de experiências ruins, onde a raiva, o ódio e a dúvida também podem surgir. Sendo assim, a criança tem que encontrar um lugar onde possa agir e a partir do qual possa construir um método pessoal para conviver com seus impulsos destrutivos. Ele diz também que uma criança normal emprega os recursos que a natureza lhe ofereceu para defender-se contra a angústia e os conflitos que não tolera, enquanto que uma criança não normal revela-se na limitação e na rigidez dessa capacidade.
A maioriadas pesquisas sobre apego e vínculo afetivo concentram-se na primeira infância e nas primeiras relações mãe-filho.Brazelton, pediatra português, citado por Maria Inês de Souza Gandra, do departamento de pediatria da Universidade Federal de São Paulo, em "A importância do apego no processo de desenvolvimento", descreve o vínculo afetivo entre pais e filhos como um processo contínuo que se inicia na gestação e vai se formando na medida em que as interações vão ocorrendo. Com o desenvolvimento das capacidades de locomoção, as crianças vão aos poucos distanciando-se da mãe, voltando sempre a procurá-la quando algo novo acontece no ambiente, e retomando suas atividades de exploração quando novamente sentem-se tranqüilas.
O vínculo entre mãe e filho é a fonte de onde irão provir, depois, todos os futuros vínculos que se estabelecerão pela criança e que constituirão a relação a ser formada durante o curso de vida da criança. Para toda a vida, a força e a qualidade deste laço influirá sobre a qualidade de todos os futuros vínculos que serão estabelecidos com as outras pessoas de seu convívio.
O sentimento e o comportamento da mãe em relação a seu bebê são também profundamente influenciados por suas experiências pessoais prévias, especialmente as que teve, e talvez ainda esteja tendo, com seus próprios pais. É este padrão de relacionamento parental que dará origem à forma como ambos os pais irão vincular-se ao filho, provendo ou não suas necessidades físicas e emocionais.
Nos primeiros estágios de desenvolvimento, uma ajuda contínua que em sua maior parte venha de uma só pessoa, parece ser essencial para que o desenvolvimento tenha sucesso. Neste contexto, a mãe seria a pessoa mais adequada para exercer esse papel, já que nenhuma outra mulher está tão pronta a se dedicar e entender as reais necessidades do bebê, tanto físicas quanto emocionais. Desde que o bebê nasce, a mãe procura estabelecer com o filho um modelo de comunicação, no qual busca compreender suas sinalizações.
Supõe-se que a falta de um vínculo significativo na primeira infância comprometerá os futuros relacionamentos desta criança, uma vez que na falta deste não terá como internalizar uma experiência gratificante e repetir o padrão satisfatório aprendido com outros indivíduos.
Klein, psicoterapeuta austríaca, citada por Juliana Alencar de Souza, Psicóloga, Especialista em psicologia da saúde; docente da Faculdade de Ciências Empresariais e Estudos Costeiros de Natal -FACEN e do Instituto Natalense de Educação Superior no artigo "A formação do vínculo afetivo: A questão do apego", ao falar do bebê e suas emoções, diz que o primeiro objeto de amor e ódio do bebê é sua mãe, ou seja, é ao mesmo tempo desejado e odiado com toda a intensidade. No início, ele ama a mãe assim que ela satisfaz suas necessidades de alimentação, que alivia suas sensações de fome e lhe oferece o prazer sensual que experimenta quando sua boca é estimulada pelo sugar do seio. Essa "gratificação" faz parte da sexualidade da criança, é na realidade sua expressão inicial.
Mas quando o bebê sente fome e seus desejos não são gratificados, ou quando sente dor ou desconforto físico, então toda a situação subitamente se altera. Nele surgem sentimentos de ódio e ele se vê dominado pelos impulsos de destruir a pessoa mesma que é objeto de todos os seus desejos e que sua mente está ligada a tudo o que ele experimenta - seja de bom ou de mau. O meio imediato e primário para aliviar este bebê desses estados dolorosos de fome, ódio, tensão e medo é a satisfação de seus desejos pela mãe.
Este, para quem a mãe é antes de tudo apenas um objeto que satisfaz a todos os seus desejos, começa a corresponder a essas gratificações e aos seus cuidados por meio de crescentes sentimentos de amor para com ela como pessoa. Mas este primeiro amor já está perturbado em suas raízes por impulsos destrutivos. Amor e ódio lutam entre si na mente do bebê; e essa luta persiste, até certo ponto, durante toda a vida, podendo tornar-se uma fonte de perigo nos relacionamentos humanos.
O apego aparece como um dos aspectos constituintes da personalidade do indivíduo, que é influenciado por fatores como as características da mãe, o temperamento da criança e o meio social em que vive a dupla.
O comportamento de apego apresenta três características distintas e universais:
•busca constante de proximidade com seu objeto de ligação, podendo tolerar afastamentos temporários;
•estabelecimento de maior ou menor segurança, segundo o padrão de confiabilidade e previsibilidade do objeto; e
•reação de protesto pela separação ou perda e a conseqüente busca de recuperação da figura de apego.

2.5 A reciprocidade mãe-bebê na formação do vínculo

A reciprocidade da interação mãe-bebê dá a ambos a qualidade de agentes no processo, onde a mãe introduz na situação aspectos de sua história e momentos de vida. Uma mãe sob estresse, deprimida ou que não tenha estabelecido com seus pais um modelo de apego seguro, pode não estar pronta a responder adequadamente às necessidades de seu filho. Do mesmo modo, os bebês que são mais agitados, choram muito ou são difíceis de serem consolados, bem como aqueles que vivem ou viveram situações estressantes de hospitalizações prolongadas, abandono por parte dos pais ou qualquer outra situação de privação social ou afetiva, podem não apresentar comportamentos falicitadores de contato, como o olhar mútuo, o sorriso para o outro ou ainda serem menos responsivos quando chamados à interagir.
O comportamento de apego da criança, por sua vez, inclui todos os tipos de comportamento que promovem a proximidade com a figura materna. Assim, as formas de comportamento mediadoras do apego no primeiro ano de vida, são o sorrir e o chorar, o seguir e agarrar-se, o chamar e a sucção.
A qualidade dos cuidados que o bebê recebe tem um peso importante na forma como seu comportamento de apego se desenvolve, mas a própria criança participa dessa interação e influencia a forma como a mãe responde a ela. Alguns comportamentos iniciais do bebê expressam e promovem uma resposta pela mãe, que interage com ele a seu modo, fortalecendo o vínculo entre eles. A participação do bebê nessa interação é ativa desde os primeiros meses, através de suas exigências; as várias formas de chorar, chamar, sorrir, aproximar-se dela e chamar sua atenção, provocam, mantêm e dão forma à reação da mãe, reforçando algumas respostas e outras não. Um padrão de interação próprio se desenvolve entre a mãe e a criança e resulta da participação de ambas no processo.

2.6 O papel do pai

Freud, o pai da psicanálise, em seu trabalho Leonardo da Vinci , diz: "na maioria dos seres humanos, tanto hoje como nos tempos primitivos, a necessidade de se apoiar numa autoridade de qualquer espécie é tão imperativa que seu mundo desmorona se essa autoridade é ameaçada".
Rohde, professor de psiquiatria da infância e da adolescência do Departamento de psiquiatra da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, citado por Mariana Eizirik, do serviço de psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no artigo "Ausência paterna e sua repercussão no desenvolvimento da criança e do adolescente", conclui que a função paterna é fundamental para o desenvolvimento do bebê. Segundo o autor, tal função é dinâmica, já que o pai representa um sustentáculo afetivo para a mãe interagir com seu bebê e também, ainda nos primeiros anos da criança, deve funcionar como um fator de divisão da relação simbiótica mãe-bebê.
A criança necessita do pai para desprender-se da mãe e, ao mesmo tempo, também necessita de um pai e de uma mãe para satisfazer, por identificação, sua bissexualidade.
Além do papel crucial que o pai exerce na triangulação pai-mãe-filho, como já visto, Muza, psicóloga também citada por Mariana Eizirik, cita o outro momento em que o papel paterno é crucial para o desenvolvimento dos filhos: a entrada na adolescência, quando "a maturação genital obriga a criança a definir o seu papel na procriação".
Segundo Muza, crianças que não convivem com o pai acabam tendo problemas de identificação sexual, dificuldades de reconhecer limites e de aprender regras de convivência social. Isso mostraria a "dificuldade de internalização de um pai simbólico, capaz de representar a instância moral do indivíduo". Tal falta pode se manifestar de diversas maneiras, entre elas uma maior propensão para o envolvimento com a delinqüência.
O estudo de Mason, psicólogo também citado por Mariana Eizirik em "Ausência paterna e sua repercussão no desenvolvimento da criança e do adolescente", aborda os problemas de comportamento associados ao efeito dos pares e ao papel moderador da ausência paterna e da relação mãe-filho. O comportamento dos pares e a ausência paterna vêm sendo associados com maiores índices de distúrbios do comportamento em adolescentes. Pesquisas mostram que a ausência paterna geralmente tem um impacto negativo em crianças e adolescentes, sendo que estes estariam em maior risco para desenvolver problemas de comportamento.

Continua ...

A CONSTRUÇÃO DO PSIQUISMO – parte 2/3
A CONSTRUÇÃO DO PSIQUISMO – parte 3/3

Gilson Tavares (psicanalista e educador)


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