Reflexões à luz de grandes pensadores da humanidade
A civilização humana
Trecho de “O Futuro de uma Ilusão, O mal-estar na civilização e
outros trabalhos”
Sigmund Freud, 1927.
“A civilização humana, expressão pela qual
quero significar tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de sua
condição animal e difere da vida dos animais - e desprezo ter que distinguir
entre cultura e civilização -, apresenta, como sabemos, dois aspectos ao
observador. Por um lado, inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem
adquiriu com o fim de controlar as forças da natureza e extrair a riqueza desta
para a satisfação das necessidades humanas; por outro, inclui todos os
regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros
e, especialmente, a distribuição da riqueza disponível. As duas tendências da
civilização não são independentes uma da outra; em primeiro lugar, porque as
relações mútuas dos homens são profundamente influenciadas pela quantidade de
satisfação instintual que a riqueza existente torna possível; em segundo,
porque, individualmente, um homem pode, ele próprio, vir a funcionar como
riqueza em relação a outro homem, na medida em que a outra pessoa faz uso de
sua capacidade de trabalho ou o escolha como objeto sexual; em terceiro,
ademais, porque todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização, embora se
suponha que esta constitui um objeto de interesse humano universal. É digno de
nota que, por pouco que os homens sejam capazes de existir isoladamente,
sintam, não obstante, como um pesado fardo os sacrifícios que a civilização
deles espera, a fim de tornar possível a vida comunitária. A civilização,
portanto, tem de ser defendida contra o indivíduo, e seus regulamentos,
instituições e ordens dirigem-se a essa tarefa. Visam não apenas a efetuar uma
certa distribuição da riqueza, mas também a manter essa distribuição; na verdade,
têm de proteger contra os impulsos hostis dos homens tudo o que contribui para
a conquista da natureza e a produção de riqueza. As criações humanas são
facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que as construíram, também
podem ser utilizadas para sua aniquilação.
Fica-se assim com a impressão de que a
civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que
compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. Evidentemente, é
natural supor que essas dificuldades não são inerentes à natureza da própria
civilização, mas determinadas pelas imperfeições das formas culturais que até
agora se desenvolveram. E, de fato, não é difícil assinalar esses defeitos.
Embora a humanidade tenha efetuado avanços contínuos em seu controle sobre a
natureza, podendo esperar efetuar outros ainda maiores, não é possível
estabelecer com certeza que um progresso semelhante tenha sido feito no trato
dos assuntos humanos; e provavelmente em todos os períodos, tal como hoje
novamente, muitas pessoas se perguntaram se vale realmente a pena defender a
pouca civilização que foi assim adquirida.”
Como percebe-se claramente nesse texto, há quase um
século passado, Sigmund Freud, o criador da psicanálise e pensador da condição
humana, já alimentava um pensamento de profundo pessimismo em relação ao ser
humano; à vida em sociedade; às conquistas tecnológicas e científicas como um
avanço da humanidade, mas que não se traduzia em benefícios para essa mesma
humanidade.
Freud já chamava a atenção para a evolução que a
civilização humana havia alcançado ao longo do tempo, mas que, o homem, a espécie
humana, não parecia ter acompanhado também essa evolução, não evoluindo como
pessoas melhores, com o surgimento de pessoas que contribuíssem para o
surgimento de uma civilização mais fraterna e acolhedora. Ao contrário, já
falava com temor sobre a possibilidade da espécie humana ser aniquilada pela
ação do próprio homem.
Passado quase um século que Freud escreveu esse texto,
não mudamos muito como pessoas e como civilização. Ao contrário. Parece que,
apesar de termos avançado de forma inimaginável por ele, no quesito tecnologia
e ciência, como pessoas e como civilização, nós estamos pior do que no seu
tempo, estamos involuindo como indivíduos. Com o homem cada vez mais distante
do seu semelhante e até de si mesmo, cada vez mais despreparado para a vida em
sociedade e cada vez mais agressivo na destruição do seu próprio habitat e até
do planeta.
Ótimo texto para que possamos refletir sobre o nosso
papel como indivíduos e sobre como estamos contribuindo para a construção da
sociedade e da civilização.
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