Uma tentativa de reflexão sobre a violência nos dias atuais – Parte II

 

Na postagem anterior, fizemos aqui uma tentativa de reflexão sobre o fenômeno do aumento da agressividade e da violência nos dias atuais.

Hoje, vamos dá continuidade à esse tema, repetindo o que falamos na semana passada, quando dissemos que podemos pensar a evolução civilizatória, com a criação de norma e regras de convivência, como um caminho para a evolução também dos indivíduos que fazem a sociedade.

Como também falamos anteriormente, o que temos visto nos últimos tempos parece o que podemos chamar de  Involução civilizatória, com a prevalência dos desejos primários, com a prevalência dos instintos primitivos, em detrimento dos comportamentos que permitem a convivência pacifica com o outro e que permite a vida em sociedade.

Vimo também que temos visto cada vez mais pessoas com dificuldade para se conectar o seu mundo interior, com dificuldade para lidar com os seus instintos primitivos, e assim, também com grande dificuldade para lidar com o mundo exterior, com grande dificuldade para lidar com o outro, com grande dificuldade para lidar com a coletividade, com grande dificuldade para lidar com a realidade a sua volta e com grande dificuldade para lidar com a vida em comunidade.

Como falou Freud, o pai da psicanálise, a violência é o contrário do processo civilizatório.

A violência é a total falta de argumento.

A violência é a negação do outro, mas é também a negação de si mesmo.

A violência é a desvalorização do outro, mas é também a desvalorização de si mesmo.

A violência é a diminuição do outro, mas é também a diminuição de si mesmo.

Na atitude agressiva e violenta em relação ao outro, retira-se desse outro o direito de ser quem ele é, mas ao mesmo tempo, é também uma comprovação da própria incapacidade de lidar com esse outro da forma como ele é.

E assim, com a admissão da própria incapacidade de lidar consigo mesmo em relação ao outro como ele é, opta-se pela destruição do outro, como forma de destruir a causa da própria incapacidade e da própria mediocridade e pequenez.

Claro que a prática da violência com esse objetivo, nunca vai ser obtido nenhum sucesso. Porque, mesmo tendo destruído o outro, o sentimento da própria incapacidade e pequenez vai continuar sempre dentro de si mesmo.

No feminicídio, por exemplo, elimina-se o outro porque a existência do outro, e principalmente, a rejeição do outro, deixa claro demais para ser suportado, a comprovação da sua própria pequenez, deixando claro também que a sua vida depende do outro. E assim, com a rejeição do outro, decide-se colocar fim a vida do outro, uma vez que a própria vida também não tem mais sentido.

O que podemos encontrar em comum nessas pessoas agressivas e violentas?

A imaturidade emocional

A Intolerância à frustração

O Imediatismo

A impulsividade

A busca da realização da satisfação dos seus desejos a qualquer custo.

A Inconsequência

A Falta de visão de futuro

A dificuldade em lidar com a não realização dos seus desejos e dos seus instintos.

Em alguns casos encontramos também pessoas com Transtornos mentais.

Tudo isso tem uma grande contribuição na forma de olhar para o outro, na forma de lidar consigo mesmo e na forma de lidar com o outro.

Pessoas assim, geralmente não veem o outro como alguém igual a si mesmo, que merece o mesmo respeito e que tem as mesmas necessidades.

Na dificuldade de olhar para si mesmo. Na dificuldade de buscar caminhos de autotransformação. Na dificuldade de produzir mudanças em si mesmo, opta-se pela agressão ao outro, já que o outro é a lembrança da sua incapacidade e da sua pequenez.

Isso reflete claramente indivíduos com desvios de caráter, indivíduos com desequilíbrios emocionais, indivíduos com transtornos mentais, indivíduos com dificuldades para a vida em coletividade, indivíduos com dificuldades para a vida em sociedade.

Mas reflete também,

Uma Crise de civilidade – onde parece que as pessoas perderam a noção do que é importante e necessário para a vida em coletividade, para a vida em sociedade.

Uma Crise de cidadania – onde parece que as pessoas perderam a noção do papel de cada um na construção da comunidade e da sociedade.

Uma Crise de educação – principalmente no conceito de educação como construção integral da pessoa. Construção de pessoas que tenham dentro de si a noção de cidadania, a noção de ética, a noção de responsabilidade social, a noção de responsabilidade ambiental, a noção de responsabilidade pelo bem comum.

Uma crise de humanidade – quando parece que cada indivíduo vive como se fosse um ser único no mundo, que tem o direito de usufruir de tudo o que existe no mundo, mesmo que não faça nenhum esforço pra isso, e que os outros vivem apenas para lhe servirem e para satisfazer os seus desejos.

Como reverter esse quadro?

Talvez um caminho seja exatamente construir pessoas que tenham valorizados sentimentos de civilidade, construir pessoas que tenham valorizados sentimentos de cidadania, construir pessoas que tenham valorizados sentimentos de educação, construir pessoas que tenham valorizados sentimentos de humanidade.

Falamos tanto em mudar o mundo. Falamos tanto em buscar caminhos para construir um mundo melhor. Mas raramente pensamos que o mundo é feito de pessoas e que, o único caminho para mudar o mundo, o único caminho para construir um mundo melhor é o caminho da construção de pessoas melhores.

Como pessoas melhores, podemos pensar em pessoas menos arrogantes; pessoas mais resilientes com os tropeços da vida; pessoas que se importam com as outras pessoas, que principalmente se importa com as pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que elas tiveram na vida ou que não tiveram a sorte de nascerem onde elas nasceram; pessoas que tratam as outras pessoas com respeito; pessoas que aprendam a suportar as  frustrações que a vida colocar no seu caminho; pessoas que se importam com o bem estar das outras pessoas e com o bem estar da comunidade onde vivem; pessoas que aprendam a lidar com as dificuldades sem precisar culpar outras pessoas ou agredir outras pessoas em razão da sua própria incapacidade de lidar consigo mesmo e com as suas limitações; pessoas que se preocupam e que contribuem para a preservação do meio ambiente onde vivem; pessoas que tenham ética nas relações com as outras pessoas; pessoas que tenham noção de honestidade nas suas ações e não apenas cobrem isso das outras pessoas; pessoas que procuram melhorar sempre a sua forma de viver, sem que para isso precise tirar proveito de outras pessoas; pessoas que tenham sempre em mente o seu crescimento pessoal e o seu crescimento profissional; pessoas que trabalhem sempre o seu equilíbrio emocional.

E isso é, ou pelo menos deveria ser, uma missão de todos. De governos, da sociedade, das instituições e de cada um.

Gilson Tavares

Psicanalista Clínico e Organizacional

Administrador, Especialista em gestão de pessoas

 

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