A ocasião não faz o ladrão

 

Acredito que todos nós já escutamos alguma vez um ditado popular, que diz que a ocasião faz o ladrão.

Porém, esse ditado não pode ser considerado totalmente verdadeiro. Esse ditado não tem nenhum respaldo, nem em nenhuma observação do comportamento humano, nem em nenhuma pesquisa sobre o comportamento humano.

Não. Não é verdade que a ocasião faz o ladrão.

Na verdade, a ocasião pode sim, revelar o ladrão.

O termo em si, “ladrão”, pode ser compreendido como alguém capaz de, não apenas simplesmente cometer um ato de se apropriar de algo que não lhe pertence, mas também alguém capaz de atos desonestos, alguém capaz de atos inescrupulosos, alguém capaz de cometer atos ilegais.

E isso tem muito mais a ver com a índole, tem muito mais a ver com o caráter, tem muito mais a ver com o sistema de valores dessa pessoa, do que com a ocasião ou com a oportunidade para cometer tais atos.

 A índole, o caráter, de uma pessoa é algo que pode ser observado não apenas diante de algum ato desonesto ou ilegal, como também pode ser observado pela forma como essa pessoa lida com o mundo ao seu redor, pode ser observado pela forma como essa pessoa lida com as outras pessoas, pode ser observado pela forma como essa pessoa lida com as leis e com os regulamentos estabelecidos, pode ser observado pela forma como essa pessoa lida com as normas de convivência com as outras pessoas e com a sociedade.

O sistema de valores de uma pessoa é formado pelo conjunto da sua índole, do seu caráter, da sua forma de enxergar o mundo, pela sua forma de enxergar a si mesmo diante do mundo, pela forma de enxergar e de enfrentar as exigências do mundo, pela sua forma de enxergar e de enfrentar as normas que são estabelecidas para a vida em sociedade.

Se dentro do sistema de valores de uma pessoa está que cometer atos ilegais ou desonestos é algo aceitável e não é um problema para a sua consciência, ela é capaz de cometer esses atos ilegais ou desonestos, se tiver a oportunidade para tal.

Se dentro do sistema de valores de uma pessoa está que cometer atos ilegais ou desonestos, é algo reprovável, ela não será capaz de cometer atos ilegais ou desonestos, mesmo que tenha a oportunidade e a ocasião para tal.

Se acontecer de uma pessoa, em razão de algum cargo de confiança que assuma em uma empresa ou instituição, em razão de assumir algum cargo público, ou em razão de ter acesso ou oportunidade para se apropriar de algo que não lhe pertença, ou de cometer algum outro tipo de atitude reprovável ou ilegal, se essa pessoa tirar proveito dessa oportunidade, certamente, isso não acontecerá apenas porque a ocasião permitiu, mas acontecerá porque isso , cometer atos reprováveis, estará dentro do que é permitido pelo sistema de valores dessa pessoa.

Caso contrário, mesmo que essa pessoa tivesse todas as oportunidades e facilidades para cometer esses atos ilegais, ela não cometeria, pois iria de encontro com o seu sistema de valores.

Isso equivale a dizer que as pessoas são como são. Uma vez confiável, sempre confiável. Uma vez não merecedora de confiança, nunca merecedora de total confiança.

Isso não equivale a dizer que as pessoas não são capazes de mudar. Isso não equivale a dizer que as pessoas não são capazes de se transformar em pessoas melhores.

Claro que são. Claro que as pessoas são capazes de mudar. Porém, as pessoas só são capazes de mudar quando elas, por si mesmo, percebem ou sentem a necessidade de mudar. Geralmente quando têm algum tipo de sofrimento pela forma como são e sentem a necessidade de mudar.

Mudanças impostas por outras pessoas, mudanças impostas como forma de burlar alguma punição, mudanças impostas apenas para cumprir alguma norma ou lei, não podem ser consideradas mudanças verdadeiras, apenas podem ser consideradas como formas de se adequar ao que a situação precisa.

O fato de uma pessoa ser honesta, o fato de uma pessoa ser ética, o fato de uma pessoa ser confiável, o fato de uma pessoa ser respeitosa, com o mundo, com as outras pessoas e com as normas de convivência tem muito mais a ver com a personalidade da pessoa, tem muito mais a ver com a índole da pessoa, tem muito mais a ver com o caráter da pessoa, e não com a ocasião ou com a oportunidade.

O mal caratismo não é uma questão de ocasião. O mal caratismo é uma questão de ser. Ou a pessoa é ou a pessoa não é mal caráter. E os seus comportamentos ao longo da sua vida, as suas atuações ao longo da sua vida, é que podem demonstrar realmente o caráter de uma pessoa.

Uma pessoa que acha aceitável e normal não respeitar as leis e as normas de convivência criadas pela sociedade sempre vai achar aceitável e normal cometer atos reprováveis.

Ao contrário. Uma pessoa que acha reprovável não respeitar as leis e as normas de convivência criadas pela sociedade sempre vai considerar inaceitável cometer atos reprováveis.

Por essa razão, é tão importante sempre procurar saber mais a respeito das pessoas, procurar saber mais a respeito da história de vida das pessoas, procurar saber mais para tentar conhecer melhor o sistema de valores das pessoas.

Saber mais sobre o sistema de valores das pessoas é a melhor forma de conhecer melhor as pessoas e de saber melhor em quem pode confiar, em quem pode depositar um voto de confiança, e em quem é melhor manter distância, saber que essa pessoa não é digno de confiança, e, se não puder, manter distância dessa pessoa, ficar alerta, não permitir nenhum tipo de ligação com essa pessoa.

Gilson Tavares

Psicanalista Clínico e Organizacional

Administrador, Especialista em gestão de pessoas

 

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