A civilização humana – Uma visão nada otimista

 

Segundo o escritor português Fernando Pessoa, navegar é preciso.

Também segundo diversos autores, em diversas épocas, diversos momentos e lugares, e também consenso de todas as pessoas pensantes, filosofar também é preciso.

A filosofia estimula a reflexão. A filosofia estimula o senso crítico. A filosofia estimula a capacidade de sistematizar o conhecimento e a capacidade de buscar sentido para o mundo e buscar sentido para tudo o que existe no mundo.

Sem a filosofia, a vida perde um pouco do seu sentido. Porque, a filosofia é antes de qualquer coisa a arte de pensar, a arte de refletir, a arte de analisar, a arte de avaliar, a arte de conhecer o mundo e de se reconhecer no mundo, a arte de se reconhecer como parte do mundo.

E hoje, vamos navegar um pouco nesse mundo da filosofia.

Vamos falar um pouco de filosofia na visão de Sigmund Freud, criador da psicanálise. Porém, não vamos falar de psicanálise e sim de filosofia. De uma visão filosófica da vida humana.

Há quase um século atrás, mais precisamente no ano de 1927, Sigmund Freud, criador da psicanálise, já expressava uma visão nada otimista a respeito do ser humano, quando, em seu livro “O futuro de uma ilusão”, usou a expressão “Civilização humana”, significando que a vida humana se elevou acima da sua condição animal e que difere da vida de todos os outros animais.

Nesse escrito de Freud, ele faz uma distinção entre cultura e civilização. Dizendo que cultura inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu, principalmente com a finalidade de controlar as forças da natureza e de extrair as riquezas da natureza para a satisfação das necessidades humanas.

Enquanto que, civilização inclui todos os regulamentos necessários para ajustar as relações dos humanos uns com os outros, como também, inclui os regulamentos para a distribuição das riquezas disponíveis no mundo, de forma que atenda às necessidades de todos.

Para ele, a cultura, simbolizada pelo conhecimento adquirido, e a civilização, simbolizada pelos regulamentos que permitem a vida em sociedade, não são independentes. Pelo contrário, são influenciadas mutuamente. Ou seja, a cultura, o conhecimento, influencia a civilização, vista como forma de viver em coletividade, ao mesmo tempo que a civilização, representada pelos regulamentos, normas e leis, influencia a cultura, na medida que permite e que promove os meios e as condições para a construção do conhecimento.

Para Freud, todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização, uma vez que precisa se submeter aos regulamentos, normas e leis que permitem a vida em sociedade. Ao mesmo tempo, são os regulamentos, normas e leis que tornam possível a vida comunitária. Principalmente as normas de convivência.

A civilização, portanto, tem de ser defendida contra o indivíduo. Os regulamentos, as instituições e a ordem têm essa tarefa.

Os regulamentos, normas e leis visam não apenas regulamentar uma certa distribuição da riqueza de forma que atenda as necessidades de todos. Como também os regulamentos, normas e leis têm de proteger a civilização contra os impulsos hostis e destrutivos dos homens, em relação a tudo o que contribui para a conquista da natureza e em relação a tudo o que contribui para a produção de riqueza.

As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que são utilizadas para as criações humanas, também podem ser utilizadas para a aniquilação da própria civilização e até de toda a vida no planeta.

Embora a humanidade tenha efetuado avanços contínuos em seu controle sobre a natureza, podendo esperar efetuar outros ainda maiores, não é possível estabelecer com certeza que um progresso semelhante tenha sido feito no trato dos assuntos humanos; e provavelmente em todos os períodos, tal como hoje novamente, muitas pessoas se perguntam se vale realmente a pena defender a pouca civilização que foi assim adquirida.

Claramente, nesse texto escrito há quase um século passado, Sigmund Freud, o criador da psicanálise e pensador da condição humana, já alimentava um pensamento de profundo pessimismo em relação ao ser humano.

A vida em sociedade, as conquistas tecnológicas e científicas como um avanço da humanidade, mas que não se traduzia e não se traduzem ainda nos dias de hoje em benefícios para essa mesma humanidade.

Freud já chamava a atenção para a evolução que a civilização humana havia alcançado ao longo do tempo, mas que, o homem, a espécie humana, não parecia ter acompanhado também essa evolução, não evoluindo como pessoas, não evoluindo para o surgimento de pessoas que contribuíssem para o surgimento de uma civilização mais fraterna e mais acolhedora. Ao contrário, já falava com temor sobre a possibilidade da espécie humana ser aniquilada pela ação do próprio homem.

Passado quase um século que Freud escreveu esse texto, não mudamos muito como pessoas e nem como civilização. Pelo contrário. Parece que, apesar de termos avançado de forma inimaginável por ele, no quesito tecnologia e ciência, porém, como pessoas e como civilização, nós estamos muito piores do que no tempo de Freud.

Parece claramente que estamos involuindo como indivíduos, que estamos involuindo como espécie, que estamos involuindo como civilização.

Com o homem cada vez mais distante do seu semelhante e até de si mesmo, cada vez mais despreparado para a vida em sociedade e cada vez mais agressivo no desprezo pela vida, no desprezo pelo seu semelhante, no desprezo pelo seu próprio habitat e até no desprezo pela sobrevivência saudável do planeta. Ou até mesmo no desprezo pela própria sobrevivência da vida no planeta.

Infelizmente, quase um século depois dessa reflexão de Freud sobre a vida humana, atualmente, só podemos ainda enxergar essa visão nada otimista da civilização humana.

E parece que, diante dos diversos acontecimentos dos dias atuais, no Brasil e no mundo, claramente, estamos piorando cada vez mais, e piorando muito. Piorando como indivíduos e piorando como civilização.

Gilson Tavares

Psicanalista Clínico e Organizacional

Administrador, Especialista em gestão de pessoas

 

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